Entro num museu, paro em frente a um quadro, a uma escultura, a uma cerâmica, e enxergo o aviso: não pode tocar. Não posso, então não toco, tudo bem.
Não tocarei pra não estragar, pra não quebrar, pra durar por muitos séculos, nada de sentir a textura do material, nada de deixar minhas digitais impressas, nada de arranhar a tela com minhas unhas mal lixadas, de desgastar as cores com meus dedos imundos.
Então a gente respeita, não chega muito perto, não atravessa a linha amarela, nada de macular a obra com nosso hálito quente e nosso olhar aproximado demais.
Assim é também entre homens e mulheres, entre pais e filhos, entre amigos que procuram se proteger: não se pode tocar em determinados assuntos, respeite o limite que o outro lhe impõe, pois ele conta a sua verdade e então, é, deixe assim.
Há questões que arriscam ser maculadas com palavras, que um olhar aproximado demais poderia danificar. Instaura-se sempre um silêncio de museu ao nos aproximarmos de temas perigosos.
Tolera-se apenas o som da tevê, de um teclado de computador, de alguém falando ao telefone, ruídos parecidos com silêncio, já que não fazem barulho excessivo, não incomodam o suficiente.
Palavras incomodam o suficiente, vamos falar sobre o que nos aconteceu dez anos atrás, vamos conversar sobre a vida do seu pai, vamos tentar entender juntos a razão de você estar bebendo desse jeito, me diz o que te perturbou na infância. Não, não quero tocar neste assunto.
Mantenha-se atrás da faixa amarela, não chegue muito perto, não acerque-se de meus traumas, não invada meus mistérios, não atrite-se com o meu passado, não tente entender nada: é proibido tocar no sagrado de cada um.
Em muitas relações é proíbido querer saber se era namorado ou era amigo, porque andavam juntos, cuidavam um do outro, frequentavam a mesma academia, tomavam café e chá juntos, desfilavam na praia para descansar da rotina do dia, pode parecer namorados, dar a entender que foram namorados, mas seja amável e não insista em querer saber, pois isto eu não pretendo te contar, então você fica achando que descobriu, é, era namorado, não da para negar.
Tomavam café juntos, contavam segredos e se aconselhavam, chamavam um ou outro de amor e de querido, quase passaram a noite juntos ou quem sabe, passaram, é, então descobri, foi namorado, deixe assim.
Todas as relações do mundo possuem sua prateleira de cristais.
Há sempre um suspense, uma delicadeza ao transitar pela fragilidade do outro. Melhor não falar muito alto, é mais prudente ir devagar e com cuidado, para não estragar, pra não quebrar, pra durar por muitos séculos a amizade do amor.
Martha Medeiros